Há cerca de 1 mês fiquei sabendo por meio de um grupo sobre acessibilidade que tava rolando uma consulta pública sobre a reserva de espaços e assentos para pessoas com deficiência. Resolvi enviar minha contribuição por e-mail, a qual segue abaixo, pois explica bem porque esta consulta pública me interessava:
Gostaria de fazer uma sugestão para esta consulta pública.
Sou uma pessoa com deficiência física, que não uso cadeira de rodas, mas tenho dificuldade de locomoção e equilíbrio, e portanto não posso ficar em pé por muito tempo.
Em geral encontro muita dificuldade em shows em grandes espaços abertos ou em estádios e ginásios. Primeiro, as empresas que vendem os ingressos nunca sabem informar se há áreas reservadas para pessoas com deficiência nas áreas denominadas "Pista", daí sempre tenho que comprar ingressos pra arquibancadas por causa das cadeiras, mas que ficam mais longe do palco e com visão pior dos shows.
E quando há áreas reservadas na "Pista" fechadas com grades, em geral só pensam nos cadeirantes, não pensam em quem tem dificuldade pra ficar em pé. Já teve show em que estava eu e um rapaz com muletas e ambos tivemos que sentar no chão quando não aguentamos mais, pois nestas áreas nunca há cadeiras.
Desta forma, sugiro que o decreto contemple este tipo de situação, permitindo que nós com deficiência que temos dificuldade em ficar em pé possamos assistir grandes shows na área que quisermos, com cadeiras mesmo que plásticas para quem é necessário, e que não sejamos condenados a sentar muito longe do palco, assim como que as empresas que vendem os ingressos saibam informar adequadamente sobre a existência das áreas fechadas reservadas no meio da "Pista".
Claro que obviamente os legisladores teriam que pensar numa boa maneira de contemplar este tipo de questão. E na minha opinião, de uma maneira mais discreta, acho que conseguiram.
Ontem foi publicado o Decreto nº 9.404, de 11 de junho de 2018, que altera o Art. 23 do Decreto nº 5.296 de 2 de dezembro de 2004, que era a principal lei brasileira sobre acessibilidade antes da Lei Brasileira de Inclusão (LBI).
O objetivo deste post não é citar tudo que mudou, até porque não sou profissional do Direito para discorrer com profundidade sobre o assunto. Logo trago a minha visão prática das principais mudanças:
§ 3º Os espaços e os assentos a que se refere este artigo
deverão situar-se em locais que garantam a acomodação de um
acompanhante ao lado da pessoa com deficiência ou com
mobilidade reduzida, resguardado o direito de se acomodar
proximamente a grupo familiar e comunitário. (grifo meu)
Esta considero uma mudança importante, pois já houve situação em que eu teria que ficar longe de todo um grupo de amigos, tendo que escolher um para me acompanhar.
§ 11. O direito à meia entrada para pessoas com
deficiência não está restrito aos espaços e aos assentos
reservados de que trata o caput e está sujeito ao limite
estabelecido no § 10 do art. 1º da Lei nº 12.933, de 26 de
dezembro de 2013. (grifo meu)
Algo que parece besta, mas é importante frisar que o nosso direito à meia entrada nos permite sentar no local que quisermos, seja ele um assento reservado ou não.
§ 12. Os espaços e os assentos a que se refere o caput
deverão garantir às pessoas com deficiência auditiva boa
visualização da interpretação em Libras e da legendagem
descritiva, sempre que estas forem oferecidas. (grifo meu)
Grande ganho para as pessoas com deficiência auditiva.
E a grande novidade são os novos artigos 23-A e 23-B:
Art. 23-A. Na hipótese de não haver procura comprovada pelos
espaços livres para pessoas em cadeira de rodas e assentos reservados
para pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida, esses
podem, excepcionalmente, ser ocupados por pessoas sem deficiência
ou que não tenham mobilidade reduzida.
§ 1º A reserva de assentos de que trata o caput será
garantida a partir do início das vendas até vinte e quatro horas
antes de cada evento, com disponibilidade em todos os pontos
de venda de ingresso, sejam eles físicos ou virtuais.
§ 2º No caso de eventos realizados em estabelecimentos
com capacidade superior a dez mil pessoas, a reserva de
assentos de que trata o caput será garantida a partir do início
das vendas até setenta e duas horas antes de cada evento, com
disponibilidade em todos os pontos de venda de ingresso,
sejam eles físicos ou virtuais.
§ 3º Os espaços e os assentos de que trata o caput, em
cada setor, somente serão disponibilizados às pessoas sem
deficiência ou sem mobilidade reduzida depois de esgotados
os demais assentos daquele setor e somente quando os prazos
estabelecidos nos § 1º e § 2º se encerrarem.
§ 4º Nos cinemas, a reserva de assentos de que trata o
caput será garantida a partir do início das vendas até meia
hora antes de cada sessão, com disponibilidade em todos os
pontos de venda de ingresso, sejam eles físicos ou virtuais.
Ou seja, há reserva de assentos garantida se comprados com antecedência e disponibilidade em todos os pontos de venda, inclusive os virtuais.
Art. 23-B. Os espaços livres para pessoas em cadeira de
rodas e assentos reservados para pessoas com deficiência ou
com mobilidade reduzida serão identificados no mapa de
assentos localizados nos pontos de venda de ingresso e de
divulgação do evento, sejam eles físicos ou virtuais.
Parágrafo único. Os pontos físicos e os sítios eletrônicos
de venda de ingressos e de divulgação do evento deverão:
I - ser acessíveis a pessoas com deficiência e com mobilidade
reduzida; e
II - conter informações sobre os recursos de acessibilidade
disponíveis nos eventos.
Logo, agora é obrigatória a informação nos mapas de assento sobre quais os assentos reservados existem, e esta informação deve existir nos pontos de venda físicos ou virtuais. Desta forma, foi contemplada minha reclamação de o pessoal dos pontos de venda nunca saber as informações sobre os assentos.
Moral da estória: se souber de alguma consulta pública que te interessa, contribua com suas sugestões! A união da sua ideia com as de outras pessoas que trazem as mudanças que queremos.
Estas mudanças já estão em vigor e espero vê-las logo em prática.
P.S.: Pra quem se interessa por consultas públicas, eis um link dos órgãos do Executivo que possuem consultas públicas:
www.brasil.gov.br/consultas-publicas Chato que ainda tem que entrar de um por um e faltam as consultas públicas de outros órgãos não contemplados aqui, como Câmara e Senado, além as consultas públicas estaduais. Mas já é um começo.