quinta-feira, dezembro 04, 2014

EU TIVE CÂNCER, E ELE NÃO ME VENCEU (PARTE 2) - E AGORA?

E esta estória continua naquele momento em que meu mundo desabou. E agora? O que fazer? Como vai ser? Muitas dúvidas e muitos medos.
Eu disse ao meu dermato que tenho plano de saúde e que queria me livrar daquilo o mais rápido possível para evitar o pior. Ele então me passou o cel de um cirurgião oncológico amigo dele e pediu que eu marcasse pra conversar com ele. Saí do consultório, sentei no carro e chorei horrores. Liguei pra minha mãe pra contar o resultado da consulta e chorei mais horrores. Felizmente consegui me acalmar e dirigir a passos de tartaruga até minha casa (nunca dirigi tão devagar na minha vida). Minha mãe chegou depois. 
Pedi que ela ligasse pro médico; só conseguiu marcar consulta pra semana seguinte. Ligou também pra uma tia minha que é dermato, pra ver o que ela me orientava. Tendo em vista que não havia mais nada pra fazer por aqueles dias que pudesse me ajudar, engoli o choro, lavei o rosto e decidi que não ia ficar em casa sozinha chorando; ia ser pior. Fui trabalhar como se nada tivesse acontecido.

Infelizmente a combinação câncer e EB não costuma ser animadora. Dos casos que tive conhecimento pelo Brasil afora, acho que umas 2 pessoas fora eu estão vivas. E das que não estão mais por aqui, boa parte delas teve pés e/ou mãos amputados por causa de câncer. Aqui em Brasília já tivemos 2 casos, mas eram pacientes que não recebiam os cuidados adequados para EB (não vem ao caso explicar os motivos), e os portadores de outros estados com quem eu conversei foram casos em que se demorou muito para diagnosticar, por isso tiveram consequências trágicas. Por tudo isso, eu achava que eu não teria câncer, por estar bem cuidada. Quanta inocência a minha!
E já que ele apareceu, o meu grande medo era de ser necessário amputar meu pé. Como eu viveria numa cadeira de rodas? Como seria pra mim nunca mais dirigir ou dançar? Felizmente, com todos os médicos e enfermeiros que entendem de EB com quem conversei, me disseram que isso provavelmente não aconteceria, pois meu diagnóstico foi muito precoce, com poucos meses, e o câncer ainda estaria pequeno o suficiente para uma remoção mais tranquila, o que se confirmou.

Alguns fatos importantes:
  • O câncer é uma mutação genética que torna as células malignas. Citando as palavras da minha oftalmo, todos nós desde pequenos deveríamos aprender que boa parte das pessoas terá câncer, alguns causados por maus hábitos e descuido com a saúde, e outros não há como prevenir, como no caso da EB (na minha cabeça tenho uma teoria, baseada em tudo que já estudei, que haveria como ter uma certa prevenção, mas essa é uma teoria minha, que explicarei mais a frente).  Por isso, na opinião dela, deveríamos entender que, embora possa não acontecer com todo mundo, é provável que mais dia, menos dia, nós teremos. E muitos terão a "sorte genética" de não ter. (Não, não estou sendo pessimista, pois quem me conhece sabe que eu não o sou, mas tem certos momentos da vida em que precisamos ser mais realistas). Mas claro, é o diagnóstico precoce que vai definir se aquele câncer será mortal ou não.
  • As pessoas começaram a me perguntar se meu câncer era maligno ou benigno. Em conversa com meu cirurgião oncológico, descobri que existe um problema sério de entendimento quando fazem essa pergunta. Tumores que são benignos ou malignos, e tumores malignos = câncer. 
Fatos importantes sobre EB e câncer:
  • Segundo levantamentos internacionais, na foma mais grave de EB, a distrófica recessiva, que é a minha, cânceres podem começar a aparecer a partir dos 15 anos e a incidência deles aumenta muito depois dos 30 anos (lembrando que ano passado entrei nessa faixa etária). Além disso, a grande maioria acaba tendo mais de um câncer ao longo da vida. Mas como disse meu endócrino, isso são estatísticas, que consistem em "médias", e não necessariamente tem que corresponder à realidade de todos. (Foi ótimo eu ter optado por ler isso, embora eu tivesse a literatura disponível, só depois da cirurgia, para que isso não me desanimasse.) mas de qualquer forma, fica o alerta par que, quem tem EB distrófica ficar mais atento após os 15 anos.
  • E por que o câncer é tão comum em quem tem EB? A resposta é muito simples: como somos uma fábrica de pele em exaustão, cicatrizando continuamente diversas lesões, produzimos muito mais células do que as outras pessoas, o que faz com que seja mais fácil, estatisticamente, uma célula sofrer uma mutação e virar um câncer. 
  • O câncer em EB possui aparência e sintomas diferentes dos cânceres de pele de outras pessoas. No nosso caso, costuma ser uma ferida que não cicatriza e que começa a causar dor intensa, diferentemente da dor que pode ocorrer em lesões comuns. Também podem surgir crostas ou calombos. (No post anterior já expliquei como foi o meu.) Só que existe uma grande diferença entre uma lesão que não cicatriza e um local que nunca fica sem lesão. No segundo caso, a lesão começa a diminuir, mas aumenta de novo devido a coceira, uso de curativos inadequados (em especial gazes) ou fragilidade da região causada por repetidas lesões. Por isso ocorre em muitos casos a demora em se identificar que há algo fora do normal. 
  • Como uma produção desordenada de células nas cicatrizações favorece as mutações, eu tenho uma teoria que de pessoas com EB que sejam tratadas desde pequenas com curativos adequados para EB, favorecendo uma cicatrização mais ordenada, teriam menos risco de ter câncer. (Mais uma vez destaco que essa é uma teoria empírica minha, baseada na minha vivência somada aos meus estudos autodidatas em EB em literatura internacional. Agora tenho que investigar, indagando profissionais de saúde com conhecimentos em EB, se essa minha teoria realmente faz sentido.) Na minha infância e juventude, eu não tive opção, tive que usar gases e pomadas por uns 25 anos, pois não existiam os curativos que existem hoje, e sei muito bem o quanto o processo cicatrizatório é prejudicado em quem usa gazes, pois elas grudam nas lesões e ao serem retiradas no banho, retiram também praticamente todo o trabalho que o corpo teve o dia inteiro tentando cicatrizar a lesão. Nos últimos anos, venho tentando reverter parte dos problemas que me foram causados pelo uso de gazes, mas não dá pra reverter 25 anos em 5, e infelizmente tem muita coisa que não conseguirei reverter, pelo menos com as tecnologias existentes hoje. 
Bem esse post já ficou gigante (de novo!), mas eu acredito que, se eu tive que passar esta experiência, é para que eu pudesse aprender com ela e repassar pra frente o conhecimento adquirido, de forma a ajudar outras pessoas.
Aguardem as cenas dos próximos capítulos. =D

2 comentários:

Silvana Figueiredo disse...

Anninha, você é uma guerreira!! Que Deus continue te dando forças e abençoe a sua recuperação!! Bjs.

Buscadora disse...

mas uma vez se confirma o tanto que vc me inspira e sou sua fã! Vc passa por tudo isso e ainda tem a humildade de reconhecer que tudo isso tem um propósito e sente a necessidade altruísta de passar para frente sua vivencia com a intenção de ajudar outras pessoas . Quero ser assim quando crescer!
E no final , graça a sua força de vontade interna em viver e graças a Deus, vc prossegue conosco nos dando uma lição de força . Isso mostra que vc ainda é muito importante para a humanidade!
Obrigada por existir!